“Uma boa cabeça e um bom coração são sempre uma combinação formidável”, dizia Mandela. Porém, as doenças do coração são demasiado prevalentes e as perturbações da mente são cada vez mais comuns. Neste quadro a presença dum stress mal gerido é uma combinação fatal.
O stress psicossocial é inevitável, faz parte do dia a dia. Todos coexistimos num equilíbrio instável em que as imposições da vida, esperadas ou inesperadas, desejadas ou não, obrigam a um esforço permanente de adaptação, confronto e superação. Esta interacção entre as condições de vida (pessoal, trabalho, social) com as características individuais (estado de saúde, inteligências, personalidade, aprendizagens, crenças, competências, necessidades, etc) vai resultar ora positiva ora negativamente. A isto chama-se situação destress. Ao primeiro resultado chama-se stress positivo ou eustress, sem consequências indesejáveis para a saúde. Ao segundo resultado, quando as exigências da vida ultrapassam a possibilidade de superação chamamos distress, aqui já havendo impactos negativos na saúde, quer ao nível físico quer ao nível psíquico.
A ansiedade a depressão são as consequências habituais do distress (vulgarmente, mas com erro, aplica-se o termo stress a esta situação).
Ora também é um ditado popular que a tristeza aperta o coração, ou que o coração pode estar irritável, nevrótico. Tal apenas sinaliza que as pessoas têm consciência desta ligação entre stress e mal estar/doenças cardíacas.
Quando há um estímulo sensorial que nos alerta (algo inesperado ou tido nos nossos registos de memória como perigoso), ou seja um stressor, todo o nosso organismo “engatilha” para lidar com ele. Prepara-nos biologicamente seja para a fuga, seja para a luta, fornecendo os capacitadores neurofisiológicos para ambas. O sistema nervoso simpático é activado, as “hormonas do stress” libertadas, entre elas a adrenalina e o cortisol. Há um estado de prontidão hormonal, por exemplo do hipotálamo, da hipófise, das supra renais. Toda esta cascata de reacções entre a detecção do estímulo, o registo em memória do mesmo, a atribuição do significado que se lhe dá (neutro, agradável ou ameaçador) decorre em milisegundos. Tal traduz-se em aumento da frequência cardíaca e da respiratória, aumento da tensão arterial, tensão muscular, sudação, secura da boca e mucosas, alteração dos factores da coagulação, lentificação da digestão, aumento dos glúcidos e lípidos e alterações da imunidade.
Se este confronto entre o stressor e a pessoa for superado, também rapidamente todo o organismo se reequilibra e este estado de alerta biológico cessa. Isto é o que ocorre quando somos sujeitos a um trauma súbito: há um “susto”, sofremos duramente, mas com brevidade voltamos a serenar. O problema surge quando este estado de alerta permanece, quando o circuito do medo se mantém activado. E, na sociedade actual sabemos que a maior parte das situações são casos de stressores psicossociais contínuos ou sempre em renovação e que não se mitigam pela luta ou pela fuga. É o caso duma vida instável, sempre apressada e imprevisível, constrangimentos financeiros, situações de trabalhos pesados, sem autonomia ou compensação, humilhações e abusos, conflitos, problemas pessoais e familiares, frustrações…
Basta imaginar o desgaste de um estado de permanente sobrecarga fisiológica em virtude do alerta neuro hormonal constante em resposta aos stressores. A tensão física e psíquica impede o normal funcionamento diário: ansiedade, angústia, irritabilidade, pânico, desespero, tristeza, desânimo, desconcentração, indecisão, problemas de memória, insónia, mal estar geral, tremores, palpitações, vertigens, urgência em urinar, diarreias, vómitos, alterações alimentares, alterações na vivência sexual, hipertensão, tendência a alergias e susceptibilidade a infecções, entre tantas outras, são sinais de distress. Em casos extremos pode ser fatal.
A agravar, usualmente a pessoa em distress faz as piores escolhas: estilos de vida nocivos, comportamentos de risco entre os quais o abuso de tóxicos – tabaco, álcool, drogas, automedicações. Às quais se acrescenta a tendência aos conflitos, o que transfere para os envolventes um conjunto de stressores adicionais que multiplica o risco de distress global, ou podem isolar-se e cortar com a rede relacional que os poderia ajudar a ultrapassar os problemas, ou até a terem comportamentos impulsivos autodestrutivos. Em suma, um individuo em distress “infecta” a sua própria existência e o meio em que vive.
Concretamente quanto ao coração está provado que uma situação de stress gera reactividade cardiovascular . Evidencia-se maior frequência cardíaca, hipertensão, alterações na resistência periférica total. Assim há anomalias na perfusão do coração e de outros órgão, anomalias nos movimentos da parede do coração, alterações do ritmo cardíaco, potenciais isquémias, vasoconstrição periférica prolongada, perda da elasticidade dos vasos, tendência a aterosclerose. Em suma, além da hipertensão instala-se todo um sério risco de coronariopatia e AVCs.
É, pois, consensual que o stress: despoleta ou agrava as doenças preexistentes, neste caso as cardíacas; gera comportamentos de risco para a saúde do coração; a própria ansiedade é um risco directo para as coronariopatias; e, há um efeito em cadeia e transversal às gerações. Daí a importância da boa gestão do stress psicossocial.
A boa notícia é que neste processo de stress a via biológica reflexa não é exclusiva. Na interacção entre mente e corpo há mais do que o automático do sistema nervoso, há uma via mais consciente, voluntária da percepção, avaliação e tomada de decisões. Significa isto que há algo que sempre podemos fazer para mitigar os efeitos nocivos e criar mais bem estar. Perante um stressor podemos proteger-nos e aprender a superar.
Neste balancear entre factores que causam exigências e factores que compensam sabe-se que a pior das situações é “altas exigências + baixo controle pessoal + pouco apoio social”.
Os cardiologistas há muito que compreendem a importância de diminuir os factores de risco e aumentar os protectores para um coração salutar. No caso do stress o reconhecimento da sua importância também é antigo pelo que incorporaram a gestão do stress nos seus programas preventivos.
Do que sabemos o mais desejável seria que não existissem muitos ou graves stressores no quotidiano e uma boa medida seria minimizar a exposição dos indivíduos a constrangimentos psicossociais. Vidas dignas, sem sofrimentos dispensáveis, com exigências apenas à medida de cada um seriam a maximização da prevenção do distress. Contudo em muitas situações não é possível reduzir organizações e cargas de trabalho nefastas, privações financeiras, cataclismos sociais, ou fazer mudanças drásticas para estilos de vida tranquilos; viver comporta sempre frustração, ansiedade, agravos emocionais, riscos…
Então neste foco preventivo temos de incluir também a pessoa e o que ela pode melhorar na sua própria gestão do stress. Há que conseguir que se desenvolvam crenças construtivas: boa auto-estima, ver-se com poder de agir, acreditar que a cooperação é profícua. Atingir positividade no processo avaliativo dos acontecimentos: tender a ver mais o lado positivo ou neutro que o negativo, valorizar os recursos que se tem, visualizar a importância do seu papel proactivo na prevenção. E desenvolver literacia para melhor compreensão da relação entre emoções, pensamentos e comportamentos, aprender como fazer em cada momento para ser melhor sucedida na gestão do stress e saber como procurar ajuda activando os apoios sociais.
Em síntese há que maximizar todas as competências para se alcançar um bom controlo sobre a dinâmica do stress susceptível de minimizar as ameaças à saúde.
Sabendo que há que resolver problemas geradores de stress e agendar processos de mudança, pergunta-se: que decisões úteis quanto a si e à saúde irá tomar hoje?
Admita que o stress existe e pode ter consequências nocivas para o seu coração e a sua saúde geral.
Admita que não sendo omnipotente há sempre um contributo seu para minorar os riscos.
Conheça os sinais de distresse. Compreenda e aceite que a ansiedade é normal mas pondere “ Esta ansiedade já passa das marcas?”
Fique atento aos seus sintomas específicos, são sinais de alerta. Não os tema nem os esconda.
Tente identificar os stressores, aquilo que no seu caso individual despoleta o distress. Se puder, mude o que pode ser mudado, quanto ao que não tem solução entretanto aceite.
Pode analisar a forma como encara e lida com os problemas. Será que tende a perceber tudo como negativo, ameaçante, urgente ou sem solução? Nesse caso imprima mudanças na sua avaliação e comportamento. Ponha as coisas em perspectiva.
Será que anda a antecipar cenários? Sofre antes que algo tenha sucedido? Controle essas fantasias.
Interiorize que errar é humano mas persistir no erro é um absurdo. Se “caiu levante-se” as vezes que forem necessárias.
Estará a sobrecarregar-se com altas exigências e deveres? Acha que tem sempre razão? A vida não é a “preto e branco” ou “tudo como devia ser”. Reformule as suas expectativas, seja mais flexível e tolerante.
Trace objectivos alcançáveis e faça a si mesmo reforços positivos. Mime-se.
Estará a culpar outros pelo seu mal estar? Queixam-se que é conflituoso? Reconsidere, auto responsabilize-se.
Compreenda as relações entre as emoções e o estado físico, bem como a sua influência nos seus pensamentos e naquilo que faz. Está tudo ligado. Desenvolva literacia emocional.
Não se deixe afogar nos problemas.Aprenda competências de decisão e execute-as. Delegue.
Seja assertivo na comunicação. Diga o que necessita e o que sente mas com tranquilidade.
Capacite-se a gerir o tempo… seja paciente.
Estimule o bom humor. Rir faz bem.
Harmonize deveres de trabalho com deveres familiares. Não esqueça a família.
Opte por um estilo de vida saudável com prazer. Alimentação, exercício físico, convívio, descanso, passatempos todos fazem falta nos tempos e doses correctos.
Aprenda técnicas de relaxamento físico e mental. Discipline-se a praticá-las com regularidade.
Peça e aceite ajuda da sua rede social. Desabafe sempre que estiver com problemas.
Se já está em sofrimento não atrase as soluções. Recorra a profissionais creditados. Psicoterapia e tratamento medicamentoso são muito eficientes para superar o distress.
E tenha sempre presente: nada é eterno e para tudo há solução. Aproveite o hoje!
Dr.ª Maria Antónia Frasquilho